Éticas Seculares #6 — Condenados à liberdade

(Baseado em Charles Taylor “Sources of The Self”)

Raphael Mees
14 min readMay 13, 2021

Diferenciar entre o Bem e o Mal é ter a opção de escolher — esta é uma lição que já sabemos desde o mito da Queda do Paraíso, provavelmente até desde antes disso. Agora a nossa situação é mais radical: chegamos a um ponto em que diferenciar entre o Bem e o Mal é uma das coisas mais complicadas que uma pessoa pode tentar fazer.

Vimos no capítulo #2 como a liberdade que começou como harmonia com a Razão, a ordem universal, passou a ser um processo de pensamento interno ao homem. Mesmo assim, neste processo de interiorização, a razão não perdeu as aspirações a um ponto de vista que transcende o indivíduo. Com a rejeição de qualquer Ordem Natural do universo na primeira Revolução Científica, a racionalidade foi entendida como o processo de pensamento imparcial, que reconhece o Universo pelo que ele é: um conjunto de forças mecânicas que interagem entre si de forma mensurável e controlável pelo homem.

Esta rejeição de um domínio espiritual no mundo natural levou a uma identificação do Bem com o prazer e o Mal com o sofrimento — coisas puramente materiais, e portanto, mensuráveis e controláveis pelo homem. Vimos no capítulo #3 como isto influenciou a ética Protestante de que a maneira correta de servir a Deus é trabalhar e ajudar a comunidade, ter filhos e prosperar no mundo natural — e não passar a vida a rezar sem contribuir com nada de concreto à sociedade. É aqui que nasce a ideia de que a benevolência, o fazer o bem aos outros, é a virtude mais importante de todas. Não só esta virtude só poderia nascer num contexto Cristão, mas também seria impossível sem o universo concebido como mecanismo.

Mas num universo sem sentido intrínseco, temos de arranjar alguma maneira de entendermos a nossa vida, alguma razão para fazermos o que fazemos. Vimos no capítulo #4 como a razão distanciada exige um complemento que cumpra esta função. No Romantismo a imaginação criativa ganha imensa força como resposta à dominância enorme que a razão distanciada tinha obtido no Iluminismo. Se tudo o que nos resta numa boa vida é procurar o prazer e evitar o sofrimento, buscando o mútuo benefício e evitando confrontos, já não há lugar no mundo para o heroísmo, para causas pelas quais vale a pena morrer, para grandes lutas e ideais. Tudo o que há é o prazer que conquistamos e cálculos que nos dizem qual caminho nos proporciona mais ou menos prazer.

Assim, face a um universo que não nos diz nada, criamos nós significados nele. Mas este significado é também, por desígnio, ligado a uma visão pessoal da realidade. As ordens que criamos são criações individuais, normalmente manifestadas em obras artísticas — e a arte aparece como substituto espiritual à religião quando o apelo a uma ordem absoluta perde apelo. Mas se as ordens são sempre criações individuais, então um certo subjetivismo é sempre inevitável. Isto levanta vários problemas.

Vimos no capítulo #5 como este subjetivismo pode levar muitos a considerarem estas ordens como meras ilusões reconfortantes que criamos para preencher um certo vazio que a “morte de Deus” deixou. Mesmo assim, o universo continua a apresentar-se como fundamentalmente estranho a nós: sem propósito, sentido, esperança ou razão de ser. Mecanismo bruto, uma força amoral incontrolável.

Isto põe em causa de forma clara o ideal da benevolência: vemos com Nietzsche, por exemplo, como a união desta ideia do universo como força bruta com a ideia de que o Bem e o Mal são construções individuais (seja de prazer e dor naturais, seja de ordens artísticas que criamos) leva a uma ética de rejeição de qualquer moralidade: a maneira certa de viver é afirmar a nossa vontade incondicionalmente, mesmo que isto signifique matar ou ir contra aquilo a que chamamos moralidade.

Enquanto alguns, como os Iluministas, procuram superar o nosso ponto de vista particular através da razão distanciada, outros, como Nietzsche, procurar negar que exista qualquer coisa senão o nosso ponto de vista particular, e afirmá-lo como se mais nada importasse. Estas duas atitudes continuam influentes na cultura ocidental, e é por causa da sua força que nasceu o novo tipo de ética que dominou a filosofia moral nos últimos séculos: a ética procedimental.

Hoje associamos a ideia de “moralidade” àquilo que somos obrigados a fazer justamente porque tanto a razão distanciada como a imaginação criativa nos leva a pensar que cada um define o seu Bem por si próprio. Sendo assim, a moralidade tem de ser o conjunto de “regras” que nos obriga a fazer coisas que, por iniciativa própria, nunca faríamos. Este tipo de ética é chamada procedimental porque não afirma nenhum Bem: tenta derivar, seja pela Razão Pura ou pela nossa constituição natural, coisas que qualquer um de nós tenha de fazer, não importa qual seja o nosso Bem. Basta conhecermos um certo procedimento de raciocínio e seguirmos os seus ditames para sermos morais.

Isto não passa de uma tentativa de dar um estatuto especial aos bens centrais da vida moderna (benevolência e justiça universais) através de uma separação entre eles e considerações sobre o bem. Como não podemos dizer a ninguém o que é bom ser, a que objetivos aspirar, a moralidade se restringe a dizer às pessoas que ações praticar — ou seja, nos informa sobre os meios que somos permitidos usar para atingir os nossos objetivos, sejam quais forem.

O problema com a ética procedimental é que ela deixa um buraco na teoria moral quando procuramos alguma razão para realmente adotar algum ideal: como cada um define o que é bom por si, não podemos “provar” a ninguém que a nossa teoria tem qualquer valor. A ideia subjacente aqui é que o Bem, por ser completamente subjetivo, não pode ser racional — se fosse racional, poderíamos prová-lo. Mesmo assim, a moralidade tem de ser racional. Então, a moralidade não trata do Bem, mas sim das boas ações. Mas será que o Bem não é mesmo racional?

Quando falamos de questões sobre o sentido da vida, não pensamos que isto seja algo dependente apenas de desejos ou inclinações, mas antes que afirmações deste tipo podem ser justificadas por si próprias. Uma das questões mais importantes deste assunto é a sobre o respeito pela vida, bem-estar, até realização, dos outros. Com efeito, podemos mesmo dizer que temos um instinto de proteger os nossos coespecíficos.

É verdade, contudo, que a extensão deste “outros” varia ao longo das sociedades — uns podem incluir apenas os membros da sua comunidade, outros a raça humana inteira, outros até mais que isso. Isto indica que o nosso instinto é maleável pela cultura em que crescemos e pela explicação que temos sobre o que é que nos leva a respeitar os outros. Esta explicação pode passar por afirmar que somos filhos de Deus, que temos uma alma imortal, que somos seres racionais com uma dignidade racional que transcende a dos outros seres, que somos emanações do fogo divino, etc — e que é por causa disso que merecemos respeito. Os que ficam de fora, portanto, são considerados como falhando nesse critério, de alguma forma — ou são menos racionais, ou não possuem almas imortais, etc.

Muitos pensadores naturalistas procuraram dispensar das explicações e articulações racionais dos nossos instintos morais de respeito pela vida, talvez por receio de excluir outros que não mereçam exclusão, ou por ceticismo quanto à objetividade de valores culturais. Assim, articulações culturais podem soar como bobagens de um tempo ultrapassado. Mais do que isso, pode-se fazer uma explicação sócio-biológica dos nossos instintos, mostrando que as nossas reações morais têm uma utilidade evolutiva óbvia.

Estes naturalistas, enquanto propõem que a filosofia moral é um esforço desnecessário, usam a mesma explicação sócio-biológica para cumprir o papel de filosofia moral. A teoria científica que justifica o erro da moralidade começa a informar os nossos juízos sobre o que são reações apropriadas ou não. Os mesmos que usam a evolução das espécies para argumentar que a moralidade é uma racionalização dos nossos instintos muitas vezes defendem que nós devemos buscar prazer porque evoluímos desta forma.

Mas temos boas razões para pensar que os nossos impulsos morais são diferentes dos nossos instintos animais. Quando temos uma reação de náusea não assumimos que existe algo ali a ser explicado: simplesmente aceitamo-lo como um facto bruto, por assim dizer. Não faz sentido argumentarmos, partindo das propriedades intrínsecas de um objeto, sobre ele ser ou não um objeto apropriado à reação de náusea — imagine-se alguém a tentar convencer um amigo que não há razão alguma para sentir enjoo no mar.

O mesmo não é verdade, contudo, no caso moral. Discussões sobre se alguém é ou não merecedor de respeito acontecem constantemente. Quando respeitamos a vida e integridade dos outros, não o fazemos por ser o caso que temos reações que tornam útil, nas presentes condições da raça humana, reagirmos assim. Com efeito, se alguém tentar reduzir a amplitude do grupo que devemos respeitar a algo menos que toda a raça humana, procedemos em perguntar qual é a propriedade que distingue os que ficam dentro dos que ficam fora, para depois mostrar que esta propriedade não tem nada a ver com merecer respeito. É isso que fazemos com racistas, por exemplo. Nós procuramos consistência nas nossas crenças e práticas morais, mas faria sentido acusar alguém de se sentir enjoado inconsistentemente?

O ceticismo quanto à objetividade das articulações culturais enquanto razões morais vem de uma ideia errada sobre o que é o raciocínio prático. Quando fazemos ciência natural, consideramos os factos sem referência ao nosso lugar com relação a eles, o que pode tornar natural pensar que se deve fazer o mesmo em ética. Mas quando tentamos fazer isso em ética, perdemos de vista aquilo de que discutíamos.

As explicações da filosofia moral são articulações das nossas respostas instintivas, pelo que explicar uma coisa sem referenciar a outra, procurar uma posição “neutra” com relação aos factos, é impossível. É certo que o desenvolvimento moral passa por aprender a neutralizar algumas das nossas reações, mas apenas de modo a que possamos identificar reações virtuosas sem as confundir com inveja, egoísmo e outros sentimentos indignos.

Para aprender sobre ética, temos de pensar sobre o que é o sofrimento humano, o sentimento de reverência perante a vida humana, etc. Não há qualquer argumento que parta de um ponto de vista “neutro” sobre o mundo que nos dê compreensão da ontologia moral. Não existe nenhuma maneira puramente descritiva/factual de explicar o que é a coragem, por exemplo. Coragem é um termo moralmente carregado, explicar o que é ser corajoso é falar da disposição de encarar riscos por algo valioso. Ausência de medo (simplesmente não ter uma certa emoção), por exemplo, pode ser coragem mas também pode ser temeridade — a disposição de encarar riscos por algo sem valor.

Mesmo assim, continua a possibilidade de se argumentar: mas se os nossos valores dependem de sentimentos e ideias criadas num certo contexto cultural, então eles não serão relativos? Isto não seria o mesmo que dizer que eles não estão ancorados no real? Uma resposta a isso é lembrar que, por um lado, é verdade que o bem e o mal não são propriedades do universo considerado fora da sua relação com seres humanos — o que significa que o bem e o mal não são parte do objeto de estudo das ciências naturais, do que Williams chama a “concepção absoluta” do mundo.

Mas por que haveríamos de considerar real apena aquilo que existe de forma independente de nós? Por que não considerar reais os termos que, depois de reflexão crítica e correção de erros, nos ajudam a explicar da melhor forma as nossas vidas? Termos valorativos nos ajudam a entender a nossa concepção do bem e explicar as ações e sentimentos, tanto meus como dos outros.

O que a ética procura explicar é a nossa realidade prática, por assim dizer. Os termos que as pessoas não conseguem evitar usar para esta explicação, portanto, não podem ser removidos da nossa explicação; muito menos por não se encaixarem num certo modelo de “ciência”, a não ser que este modelo já tenha fornecido uma tal explicação mais clara.

Da mesma forma que as ciências físicas não são antropocêntricas, as ciências humanas também não podem ser encaixadas nos termos da física. É verdade que sem a existência de seres humanos a moralidade não existiria, mas uma vez aceite que nós existimos, a moralidade não é mais projeção que aquilo estudado pela física. Real é aquilo que não se vai embora apenas por não se encaixar nos nossos preconceitos, aquilo a que não podemos evitar fazer recurso na vida real (importante notar que o “não poder evitar” não é um não se conseguir conter apesar de saber que é irracional, como um não conseguir conter o riso perante uma situação ridícula, mas antes um não conseguir explicar a nossa experiência da melhor forma sem algo).

Aqui, contudo, ainda parece estar aberta a porta a uma espécie de relativismo cultural: se os termos morais dependem da nossa cultura, como poderíamos mostrar a realidade de um termo moral para alguém de uma cultura diferente? Essa realidade não seria dependente de certas formas culturais?

Isto é uma possibilidade. Mesmo assim, o relativismo só se estabeleceria se houvesse o que é chamado uma incomensurabilidade de valores: uma incapacidade de conceber bens de uma cultura em termos dos bens da outra. É certo que pode nos ser difícil escolher entre culturas diferentes em termos de ganhos e perdas: pode haver um pouco dos dois e a escolha difícil de se fazer. Mas desde que estes bens sejam compreensíveis para nós, e os nossos bens compreensíveis para os outros, as nossas culturas não são incomensuráveis.

É verdade que estes bens podem ser incompatíveis entre si, mas isto acontece dentro da nossa própria cultura muitas vezes: não existe garantia que bens universalmente válidos tenham de ser perfeitamente combináveis, muito menos em todas as situações. No fundo, a comensurabilidade passa a ser uma questão verificável empiricamente; e enquanto não encontrarmos um ponto em que não consigamos reconhecer os bens dos outros como bens e vice versa, não temos razão para acreditar que os bens que tentamos definir e criticar são universais.

Ora, a ética procedimental nos leva a acreditar que tudo de mau que acontece é derivado de um princípio mau — já que a moralidade é gerada por um procedimento canónico cuja ignorância leva à imoralidade. O que esta posição ignora é que podem existir dilemas genuínos na nossa visão moral: pode ser mau seguir um ideal até as últimas consequências, não por ele não ser um bem, mas porque existem outros bens que não podem ser sacrificados sem maldade.

Mas então por que não reconhecer todos os bens que cada indivíduo abraçar? Que razão temos para negar os bens de alguns em favor dos bens de outros? Se um indivíduo vir a sua realização como dependente de crueldade, como podemos dizer que este bem não é um bem, mas um mal? Este tipo de intervenção seria típica de alguém com tendências mais para o lado da imaginação criativa Romântica que para a razão distanciada Iluminista.

No entanto, esta visão completamente centrada no indivíduo da realização expressiva humana partilha raízes Iluministas com o instrumentalismo. Este tipo de visão rejeita a partida qualquer dimensão superior à do sujeito que seja capaz de nos indicar qualquer propósito maior. No entanto, a própria noção de realização requer algo para além do sujeito, um bem ao qual a nossa aliança valha mais do que os nossos interesses individuais. Assim, o subjetivismo completo levaria ao vazio irremediável: numa era em que tudo o que importa é a auto-realização, nada pode contar como realização.

Como alguns críticos já apontaram, os modos de vida que esta visão encorajam tendem a um tipo de superficialidade. Como nenhum “bem-maior” pode ultrapassar a realização pessoal, toda a linguagem de política e ética se reduz a conversas vazias sobre “valores”. Esta prioridade à auto-realização acima de tudo nos prende a só poder aceitar identificação com compromissos aceites voluntariamente. Para além destes comprimissos, sempre revogáveis a partir do momento que não for conveniente, o resto das nossas associações entram no domínio das relações estratégicas. Desde que sejamos “corretos” com os outros na nossa maneira de agir, como dita a ética procedimental, estamos a viver bem.

Aqui vale relembrar um ponto importante do capítulo #1: a nossa identidade e os nossos compromissos morais são sempre feitos em diálogo com o que temos à nossa volta. A nossa posição no mapa, que usamos para nos orientar pelo mundo, implica que exista um certo terreno, com certas especificidades, etc. Ora, o que foi argumentado aqui é que este diálogo é sempre um diálogo racional: nenhum ponto de vista é absoluto, mas existem maneiras racionais de compará-los entre si e decidir sobre as suas vantagens comparativas.

Os nossos valores são sempre uma resposta aos que encontramos na nossa cultura. Podemos adotá-los ou rejeitá-los, mas estamos sempre a falar a mesma língua. Como esta língua é racional, eu penso que especialmente se estamos dispostos a rejeitar algum dos valores que nos foram passados, é bom que tenhamos boas razões para tal. Não só isso, mas que estejamos dispostos a ouvir as razões dos outros em defesa destes valores sem fazer recurso a “esta é a minha verdade” ou acusar os outros de serem más pessoas por não sentirem o mesmo que nós.

A moralidade é um diálogo, uma narrativa biográfica em que aprendemos com os erros e concertamos. Para progredir, é preciso dialogar. É certo que pode não ser fácil encontrar as raízes dos nossos valores de forma a explicar aos outros o porquê de algo ter valor para nós (e por que deveria ter para eles também). Mas é para isso que estes textos foram feitos. Para fornecer alguma base sobre as origens dos valores que definem a nossa identidade cultural.

O nosso sentido de identidade é definido por várias facetas: os poderes da razão distanciada, a imaginação criativa, os entendimentos modernos de liberdade, direitos e dignidade, os ideais de auto-realização e expressão e as obrigações de justiça e benevolência. Qualquer posição que procure negar alguma delas diretamente, como Nietzsche fez com a benevolência ou como proponentes da razão distanciada e da imaginação criativa tentam fazer uns aos outros, é inconsistente.

O lugar natural para procurar uma solução para estes problemas é numa posição anti-subjetivista que supere o conflito, tendo um lugar para bens não somente focados na razão instrumental ou tampouco somente no indivíduo ou na auto-realização humana. Isto não implica negar completamente a razão moderna: podemos perfeitamente 1) procurar ver o mundo de forma objetificada, 2) usar a razão prática para determinar o que é certo e 3) explorar a autenticidade e integridade da expressão subjetiva.

A solução, portanto, é procurar explorar a ordem cósmica através da ressonância pessoal. A articulação das nossas fontes morais não pode escapar a linguagem subjetiva: enquanto a arte é capaz de realizar epifanias, colocando-nos em contacto com as fontes morais, a crítica ou a filosofia podem apenas criar um enquadramento conceptual para a nossa compreensão do que acontece quando temos uma experiência dessas.

O risco de regressar a um subjetivismo, a uma celebração dos nossos poderes criativos em nome da liberação (da natureza, da sociedade, da moralidade ou seja do que for), é permanente. Mas no seu melhor, este projeto é precisamente uma tentativa de superar o subjetivismo. Mesmo assim, ao contrário de como foi em tempos anteriores, esta luta nunca poderá ser posta atrás de nós: enquanto a cultura evoluir, temos de encontrar maneiras de a conceptualizar de forma a encontrar o sentido nas nossas vidas.

O papel do dogma no modernismo, por exemplo, é muito particular: não é que, na sua maior parte, a teologia, a metafísica e a mitologia tenham desaparecido, mas sim que elas tomam uma forma diferente nos autores modernos como Yeats, Mann, Lawrence, ou Eliot. A ordem pública de referências do mundo continua presente, mas agora sem a teologia, a metafísica e a mitologia. Estes domínios, para estarem presentes nas nossas vidas, têm de ser exprimidos artisticamente por uma “linguagem subtil”, articulada por uma visão pessoal.

Ou exploramos esta área com este tipo de linguagem ou não o fazemos de todo. É por isso que o descartar deste tipo de exploração tem consequências morais tão graves. Os defensores da razão distanciada ou da realização subjetiva abraçam estas consequências: não existem fontes morais a explorar ali. Os críticos de escritório da modernidade suspiram pelas ordens públicas do passado como velhos ranzinzas que não acompanharam o tempo, associando automaticamente visões pessoais a um mero subjetivismo. Moralistas também procuram negar a área do pessoal e conter as suas manifestações.

Enfim, a verdade é que somos condenados à liberdade, e ela vem acompanhada de responsabilidades também. É certo que não é fácil procurar reformular indefinidamente qual a melhor maneira de viver, dialogar constantemente com o mundo e com nós mesmos sobre o bem, viver em constante reajuste. Mas este é o estado da nossa condição. Se antes ser livre era optar entre o Bem e o Mal, hoje ser livre é optar entre procurar pelo Bem ou correr o risco de viver Mal.

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