Pragmatismo e Ideologia
Frequentemente, vemos políticos agirem contra os próprios ideais.
“Isto é política”, podemos pensar.
Eu penso que isto tem outro nome: pragmatismo. Muitas vezes, encontramo-nos em situações complexas. Decisões são difíceis. Não podemos agir como queremos. O que é que isto tudo quer dizer?
Penso que é o seguinte.
No ocidente, existe a tradição política, herdada do Iluminismo, de tomar decisões segundo princípios, muitas vezes considerados auto-evidentes, talvez até mesmo sagrados, se ousarmos falar de uma religião civil. Princípios como “a vida humana não tem preço”, ou “a liberdade é um direito universal de todo o ser humano”.
Mas o que são princípios? São heurísticas. São regras gerais criadas para guiar as nossas ações, como um mapa que nos orienta em direção à ação mais acertada. Mas como mapa conceptual que é, um princípio não representa a realidade que mapeia perfeitamente. Nenhum mapa representa o território perfeitamente. Para isso, nada substitui o contacto com o próprio território. É isso que queremos dizer com a ideia de que toda a regra tem uma exceção: regras são representações mentais. A realidade excede sempre a nossa capacidade de a representar.
Isto quer dizer que os nossos princípios têm limites. Muitas vezes, princípios diferentes podem entrar em conflito. Lá se vai o nosso mapa de princípios sagrados: um deles vai ter de ser violado. O mundo coloca esse tipo de desafio com alguma frequência — a indivíduos tanto quanto a nações.
Neste tipo de situação, a capacidade de avaliar uma situação e tomar uma decisão “prática”, e não “teórica”, é fundamental. Ou seja, a capacidade de recorrer à percepção da situação na sua especificidade, e não a uma regra abstrata, para resolver um problema. Isto é pragmatismo. Não necessariamente algo mau — mas potencialmente.
Qualquer governo tem de saber tomar decisões pragmáticas de vez em quando. Infelizmente, quem respeitar os direitos humanos cegamente todas as vezes, rapidamente é destruído por alguém que não os respeita nunca.
Aliás, poder respeitá-los é uma demonstração de riqueza — é um luxo. Os que lutam por sobreviver são colocados perante uma escolha muito mais cruel: matar ou morrer. Ter princípios e segui-los é passar pelo jogo da vida em hard mode. Jogadores com menos condições simplesmente não estão equipados para fazê-lo.
Seguir princípios é comprometer-se com resolver os problemas abdicando de todo um leque de soluções potenciais — um leque particulamente útil num grande número de situações. Para o bem ou para o mal, jogar sujo é muito mais fácil. Agir por princípios é como jogar tenis com uma mão às costas, jogar xadrez vendado.
Isto não quer dizer, obviamente, que todos os bons jogadores escolham adotar esta conduta. Muitos poderão querer manter o “jogo sujo” mesmo depois de ter poder. Aliás, pode-se argumentar que, ao nível mais alto, é literalmente impossível fazê-lo. Para ser “o melhor”, é preciso estar disposto a fazer qualquer coisa. Quem não estiver será ultrapassado pelos que estão. É imperativo utilizar qualquer vantagem a seu favor. Hesitar é demonstrar fraqueza.
Isto torna o caso do mundo ocidental particularmente impressionante. Na Europa e America do Norte, temos países que, apesar de terem de fazer recurso a decisões pragmáticas de vez em quando, mantém, em larga escala, decisões baseadas em princípios como a sua forma principal de governo. E apesar disso, são os países mais poderosos do mundo.
Por outro lado, podemos ver esta situação como pouco surpreendente, de alguma forma: são os países mais poderosos porque operam pelos princípios mais verdadeiros. A verdade é que mesmo os que podemos querer acusar de operar de forma puramente pragmática também operam por princípios. É impossível agir sem um objetivo.
Aqueles que queremos acusar de “pragmatismo puro”, talvez os mais maquiavélicos, operam na verdade sob o princípio do poder: agir sempre da forma que mantenha ou aumente o poder. O poder é sagrado. Outros princípios podem ser “agir da forma que dignifica a vida humana”, “agir da forma que garanta um certo conjunto de liberdades aos cidadãos”, etc.
Simplesmente pode ser verdade que o melhor princípio para manter poder não seja o princípio do poder, mas sim o princípio do valor da vida humana.
Esta afirmação é pouco realista. Com efeito, é obviamente falsa em muitos domínios da vida. Especialmente entre os mais pobres, como já foi notado. Por outro lado, existe nelas algo de especial. As pessoas estão dispostas a lutar por elas, mesmo quando já possuem um nível elevado de educação — o que normalmente não se aplica quando o princípio sagrado é devoção a algum “líder supremo” e à sua manutenção de poder. Este tipo de ideal só consegue cativar ignorantes.
Mas será que ideais elevados podem cativar tanto ignorantes como eruditos?
Talvez. Possivelmente só com a “corrupção” destes ideais, na transição da sua forma erudita para uma forma mais popular. Exemplos possíveis são os EUA, talvez até mesmo o cristianismo.