O grupo
Era uma vez um grupo de adolescentes que tinham a mania que eram melhores que os outros adolescentes. Este grupo teve vários nomes ao longo da sua história, mas como não quero deixar ninguém com vontade de continuar o texto para descobrir “de onde será que veio este nome tão curioso? que tipo de jovens será este?”, vou simplesmente dizer “o grupo”, e os leitores já saberão de que grupo estou a falar. E se não souberem, paciência.
Os membros iniciais do grupo viviam todos na mesma cidade, e num verão há alguns anos começaram a reunir-se com alguma frequência para se divertirem juntos a fumar paiva. No entanto, o mais importante para entender a essência deste grupo de amigos está num mundo muito longe dos factos históricos e biográficos dos seus membros. Existe uma razão maior que permitiu que as suas reuniões continuassem depois daquele verão e muito além disso, que uniu os membros como partes de um todo, como várias palavras numa frase. Algo que começou como uma brincadeira foi na verdade a razão pela qual tudo aconteceu, literalmente.
“Não consigo compreender este momento…” — como a história é verídica, usarei codinomes para preservar a identidade dos personagens. Aqui quem fala é o Corno Neutro.
“Parece que estou a viver um gif muito comprido, tipo um gif de 70 anos”, disse o Farrapo. Note-se: quando dois cegos fumam as próprias bengalas, ficam ainda mais perdidos.
“Imagina que toda a nossa vida até agora tinha sido só a nossa backstory e que a nossa história só começava agora…”
“Literalmente agora… o começo da nossa história era imaginar que este era o começo da nossa história…”
“O começo da nossa história é nos darmos conta de que estamos numa história?”
“Não, nós não podemos saber, isso não tem piada nenhuma e é muito cliché. O começo da história é só nós a discutirmos a possibilidade de a nossa história começar neste preciso momento, …”
“É o gif a voltar ao início…”
“É meta-narrativo.”
“Não é um mau início de história…”
É um péssimo início, e daqui para frente vamos de péssimo a pior. Algumas das contribuições do diálogo anterior foram do Totozinho, outras do Pernas. Não importa muito quem disse o quê, as palavras ganham o sentido dentro da frase. Importa é que foi dito.
Todas as noites de sexta-feira eles passeavam pela cidade, e todas as noites de sexta-feira eles voltavam, cada um para a sua casa, sem falha, com alguma história inacreditável, com alguma moral do dia, ou com frio e dor de cabeça. Sempre havia algum maluco que os abordava e começava a falar coisas sem sentido, que estranhamente pareciam fazer mais sentido do que deviam muitas das vezes. Mas a maioria das vezes não.
Para estes jovens, que ainda não tinham dado de cara com a estranheza do mundo e agora a consumiam com tanta avidez como consumiam erva, era difícil não pensar que a vida era uma piada. Uma daquelas que é de tanto mau gosto, tão péssima, tão imprevisivelmente previsível, e igualmente previsivelmente imprevisível, que até era hilariante.
“A minha vida é uma piada sem punchline, eu só me rio porque a graça nunca chega…”
“É meta…”
“Sim, é muito meta.”
“É uma regra que confirma a exceção… sempre que uma coisa engraçada acontece, sei que estou numa história.”
“As piadas não são engraçadas à segunda vez, mas começam a ser outra vez à décima primeira… sempre que uma história se repete, sei que estou numa piada.”
“As coisas mais meta são as mais absurdas e autênticas, precisamente porque são as que mais se repetem… as coisas banais são uma história que só se vive uma vez.”
“Então meta é viver a mesma história de várias formas diferentes? Não faço ideia do que isso quer dizer, caralho.”
Meta sou eu, que escrevo a minha mesma história depois de já a ter escrito várias vezes. Mas filosofias confusas à parte, nota-se que a verdadeira droga destes jovens era a vida — o resto era droga só por extensão. O que eles queriam era entender a própria história, entender por que é que tinha de ser uma história e não outra coisa, por que razão a sua existência se reduzia a umas meras palavras — algumas das quais o leitor agora lê (nós lemos sempre algumas palavras ao mesmo tempo, é raro lermos uma palavra de cada vez — por isso “algumas”).
Só que as histórias normalmente têm começo meio e fim, e os meios são ligados entre si, e um dos meios está ligado ao fim, outro ao começo. Igualzinho a uma frase. A vida não pode ser uma colagem de palavras aleatórias que continua e se repete enquanto houver energia para continuar a reproduzir o gif, justamente porque uma história não é assim, porque uma história é uma frase. “O grupo é meta”.
A SER CONTINUADO…